Nevralgia trigeminal

Também conhecida como tique doloroso, a nevralgia trigeminal é uma patologia caracterizada por dor lancinante na face, podendo levar à severa perda de qualidade de vida.

Entendendo a inervação trigeminal

A sensibilidade de nossa face é determinada por uma rede neural cujo principal contribuinte é o nervo trigêmeo (V nervo craniano). Este nervo se origina no tronco encefálico (transição ponto-mesencefálica lateral), com uma divisão motora e sensorial. O seu ramo sensorial se continua com cavo de Meckel, onde está presente o gânglio trigeminal (ou gasseriano), a partir do qual surgem três divisões para a inervação da face: oftálmica (V1), maxilar (V2) e mandibular (V3). A divisão mandibular sai através do crânio através de uma estrutura denominada forame oval (essa informação se faz importante para maior compreensão de uma possibilidade de tratamento). No seu trajeto do tronco encefálico até a saída do crânio, o nervo trigêmeo por vezes está em íntimo contato com uma artéria cerebral, a cerebelosa superior (essa informação é importante pois um dos tratamentos cirúrgicos se baseia nesse conceito).

Representação esquemática das áreas cutâneas (dermátomos) e sua inervação mais comum: V1, V2, V3: Os ramos do nervo trigêmeo. Cruccu G, Gronseth G, Alksne J, Argoff C, Brainin M, Burchiel K, Nurmikko T, Zakrzewska JM: AAN-EFNS guidelines on trigeminal neuralgia management. Eur J Neurol. 2008; 15:1013-1028. DOI: 10.1111/j.14681331.2008.02185.x.

A manifestação da dor

As dores costumam seguir o padrão da raiz envolvida, mais frequentemente a mandibular. As três divisões (oftálmica, maxilar e mandibular) manifestam sensação de dor, temperatura e tato da pele, mucosa dos seios paranasais, nariz e boca, dentes e porções da dura-máter (camada que reveste o cérebro). Elas também carregam sensação proprioceptiva (capacidade de reconhecer a localização espacial) dos dentes, do palato duro, da articulação temporomandibular e dos músculos da mastigação.

Como o seu próprio nome sugere, a dor é tipo tique doloroso, lancinante, com duração de segundos a poucos minutos e pode ser desencadeada pelo frio, calor, ao se barbear, pentear o cabelo, mastigar, sorrir, escovar os dentes ou outro estímulo semelhante.

Representação esquemática das regiões que são zonas de gatilho mais envolvidas na neuralgia trigeminal. Di Stefano G, Maarbjerg S, Nurmikko T, Truini A, Cruccu G. Triggering trigeminal neuralgia. Cephalalgia. 2018;38(6):1049-1056. doi:10.1177/0333102417721677.

As causas da nevralgia

Na maioria dos casos, a etiologia é idiopática, sem causa definida. No entanto, em um número importante de casos, observa-se o contato compressivo da artéria cerebelosa superior sobre o nervo trigêmeo no seu trajeto entre o tronco cerebral e o gânglio trigeminal, em uma região chamada “Obersteiner-Redlich.” Outras causas possíveis são: aneurismas cerebrais, tumores, malformações arterio-venosas, doenças inflamatórias (Esclerose Múltipla), doenças dentárias, dentre outras menos comuns.

O diagnóstico

O diagnóstico é baseado no exame criterioso dos pontos dolorosos da face, associado à exames de imagem (ressonância e angioressonância magnética) para excluir causas secundárias que possam estar gerando compressão neural e para se evidenciar conflito neurovascular (contato entre a artéria cerebelosa superior e o nervo trigêmeo).

O tratamento

O tratamento é baseado em farmacoterapia, procedimentos percutâneos e microcirurgia. Os fármacos mais comumente utilizados são a carbamazepina, oxcarbazepina, gabapentina, pregabalina, lamotrigina e os antidepressivos tricíclicos, dentre outros.

Em casos refratários, os procedimentos percutâneos (microcompressão com balão e rizotomia retrogasseriana) são opções, através da utilização do forame oval (agulha direcionada para o forame, local de acesso ao gânglio do trigêmeo).

Outra alternativa é a microcirurgia cerebral (Jannetta), promovendo a separação mecânica entre a artéria que comprime o nervo. Uma análise cuidadosa de cada caso é fundamental para uma correta escolha terapêutica.

Demonstração esquemática da região abordada durante uma microcirurgia cerebral para descompressão neurovascular (Jannetta). Verifica-se à esquerda o nervo trigêmeo comprimido pela artéria cerebelosa. À direita, representação da sua separação mecânica. Sindou M, Leston JM, Le Guerinel C, Keravel Y. Traitement de la névralgie trigéminale par décompression vasculaire microchirurgicale. Neurochirurgie. 2009;55(2):185-196. doi:10.1016/j.neuchi.2009.02.003.

Para maiores informações, favor consultar as referências abaixo:

Referências

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  • Aviso: As informações expressas são apenas de caráter informativo. São baseadas em estudos científicos e experiência clínica. Os resultados não são necessariamente presentes em todos os indivíduos. Autotratamento não é recomendado. Para a melhor escolha do tratamento, é fundamental a consulta com o especialista.

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