Diversas dúvidas surgem de pacientes e familiares acerca da crise convulsiva, uma importante e frequente doença.
O que é epilepsia?
A epilepsia é uma doença cerebral crônica causada por diversas etiologias e caracterizada pela recorrência de crises epilépticas não provocadas.
As crises epilépticas são decorrentes de descargas neuronais síncronas, excessivas e anormais que estão localizadas predominantemente no córtex cerebral. Esta atividade paroxística é usualmente intermitente e autolimitada.
Esta condição tem consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais e prejudica diretamente a qualidade de vida do indivíduo afetado.
A epilepsia é comum?
Os índices são muito elevados no primeiro ano de vida, decaem durante a infância e a adolescência, atingem platô na vida adulta e aumentam novamente no idoso. Estima-se que a prevalência mundial de epilepsia ativa esteja em torno de 0,5%-1,0% da população e que cerca de 30% dos pacientes sejam refratários, ou seja, continuam a ter crises, sem remissão, apesar de tratamento adequado com medicamentos anticonvulsivantes. A incidência estimada na população ocidental é de 1 caso para cada 2.000 pessoas por ano. A probabilidade geral de ser afetado por epilepsia ao longo da vida é de cerca de 3%.
A epilepsia é hereditária?
Existe uma predisposição familiar para alguns tipos de crises, como as crises de ausências e as crises rolândicas, porém não se pode dizer que a epilepsia é uma doença hereditária. Sabe-se que ela pode surgir associada a algumas doenças genéticas, algumas das quais são hereditárias. Na maior parte das epilepsias, são mais importantes os fatores que se adquire durante a gestação, parto e pós parto, do que propriamente a predisposição genética.
Como se diagnostica?
O diagnóstico de epilepsia é clínico, ou seja, necessita-se conhecer o tipo de crise através de uma descrição pormenorizada por quem as observou. O eletroencefalograma (EEG) é um método que estuda a atividade elétrica cerebral sendo útil para detectar ou confirmar um distúrbio. Em muitos casos, para se identificar a causa das crises, recorre-se à exames de imagem, como tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética de crânio.
Quais as causas da epilepsia?
Existem muitas situações que podem modificar o funcionamento normal das células cerebrais ou o modo como estas se comunicam entre si.
As epilepsias são divididas em idiopáticas (quando não se consegue detectar nenhuma causa), sintomáticas (quando se identifica uma causa que provoque a epilepsia) ou criptogênicas (quando se suspeita da existência de uma causa, mas não se consegue detectá-la).
As causas mais frequentes das epilepsias focais sintomáticas são traumatismos cranianos que provocam “cicatrizes” cerebrais, malformações do desenvolvimento do cérebro, lesões cerebrais durante o parto, uso de drogas ou tóxicos, acidente vascular cerebral (AVC), doenças infecciosas (meningite, encefalite), tumores cerebrais e esclerose mesial temporal.
Na infância, podem ocorrer convulsões durante a febre, situação relativamente benigna. Apesar de quadros infecciosos poderem estar relacionados como causa, a epilepsia não é contagiosa, não se podendo contrair de outra pessoa com epilepsia.
As convulsões são sempre sinais de epilepsia?
Nem sempre. Algumas convulsões que ocorrem em bebês ou na primeira infância, no início de doenças infecciosas acompanhadas de febre alta, são denominadas de convulsões febris, não sendo caracterizadas como epilepsia. Essa situação pode se repetir com novas infecções febris e cessarem espontaneamente ao longo da infância. No entanto, uma crise febril nem sempre é um acontecimento inocente: em alguns casos, as convulsões com febre podem ser um sinal de encefalite (infecção cerebral). Em alguns casos, podem surgir convulsões devido à carência de alguns minerais essenciais, como cálcio e sódio, à hipoglicemia (em crianças com diabetes mellitus), intoxicações, entre outras situações.
Desta maneira, deve-se contactar um médico em caso de uma primeira convulsão, seja com ou sem febre.
A crise provoca lesão cerebral?
Na grande maioria dos casos as crises não provocam lesões nas células cerebrais, exceto em caso de convulsões repetidas e muito prolongadas.
A epilepsia tem que ser tratada?
A maioria das pessoas com epilepsia precisa ser tratada. Recebem medicamentos anti-epilépticos para restabelecer o equilíbrio elétrico do cérebro.
Quanto mais cedo realizar o diagnóstico e iniciar o tratamento, maiores as probabilidades de controle das crises.
A escolha do medicamento depende de vários critérios, como o tipo de crise e a idade do paciente.
É importante identificar qualquer comportamento anormal e inesperado no comportamento da criança, uma vez que existem crises convulsivas sem convulsão (movimentos motores no corpo) e não devem ser desvalorizadas.
O tratamento é importante para que as crianças não fiquem expostas à acidentes, devido à imprevisibilidade das crises.
Quando as crises não melhoram deve-se abandonar o tratamento?
Não há uma terapêutica garantida que controle todas as crises em todas as pessoas com epilepsia. Algumas vezes levam-se semanas a meses até se encontrar uma terapia adequada. Existe uma parcela da população com epilepsia que não consegue o controle das crises com medicação, existindo outras opções de tratamento, como a cirurgia e a dieta cetogênica.
Quando a cirurgia é uma opção para o tratamento?
Cerca de 10% dos pacientes epilépticos serão refratários ao tratamento clínico medicamentoso, os quais podem ser beneficiados com o tratamento cirúrgico.
A cirurgia costuma ser indicada para evitar morte súbita, evitar os efeitos colaterais do uso crônico dos medicamentos, para melhorar a qualidade de vida dos pacientes, para evitar possíveis lesões físicas decorrentes das crises e para melhorar o índice entre o QI e epilepsia.
O melhor momento para o tratamento cirúrgico depende da causa da epilepsia. Geralmente a cirurgia é indicada quando a epilepsia é refratária ao tratamento medicamentoso ou quando há uma doença cerebral documentada, como é o caso das neoplasias (tumores), das lesões que possam provocar hemorragias cerebrais ou das lesões cerebrais congênitas.
Quando as crises acabam deve-se abandonar o tratamento?
Em muitos casos o tratamento medicamentoso tem que ser mantido durante anos, mesmo que as crises estejam controladas. Parar abruptamente pode levar a crises convulsivas que põem em risco a segurança e o pioram o prognóstico. Só o especialista pode decidir quando iniciar a redução progressiva da medicação.
Quais os efeitos dos medicamentos?
Todos os medicamentos podem produzir efeitos colaterais, no entanto, de maneira geral, são efeitos benignos ou suportáveis. Na ocorrência de efeitos não usuais, o médico deve ser comunicado. Os mais comuns são fadiga, letargia, sonolência, irritabilidade, dificuldade na realização de tarefas manuais ou cognitivas, náuseas, dentre outros menos comuns.
Durante o tratamento muitas vezes será necessário realizar exames sanguíneos para se constatar a concentração de certos medicamentos a fim de avaliar se a dose está adequada e se está havendo impacto sobre a função hepática ou renal.
Graças aos medicamentos, muitas crianças com epilepsia participam normalmente nas atividades escolares, uma vez que deixam de ter crises ou as têm raramente e adultos seguem sua atividade laboral habitual.
Como identificar uma crise epiléptica?
Os sinais mais comuns de uma possível crise convulsiva são:
- olhar fixo por alguns segundos, sem responder a tentativas de chamada de atenção;
- episódios de pestanejar rapidamente ou revirar os olhos;
- movimentos da boca ou face acompanhados de uma expressão fixa;
- comportamento confuso, como andar ou movimentar-se repetidamente, sem contexto;
- sensação de distorção da realidade que outras pessoas ao redor não notam;
- perda súbita do tônus muscular ou queda da cabeça;
- movimentos repetitivos incoercíveis de parte ou todo o corpo.
Quando o olhar fixo e/ou a ausência de resposta são os principais sintomas, geralmente o educador/professor é o primeiro adulto a detectar. Desta maneira, é substancial que o profissional esteja atento aos sintomas.
Observar uma única manifestação de alguns destes sinais não significa necessariamente que a criança se apresenta com epilepsia, pois podem ser causados por outros motivos. Mas se o profissional da educação detecta de maneira repetitiva e estereotipada, deve avisar a familiar e encaminhar a criança para atendimento hospitalar (em caso de primeira crise).
Quais os tipos mais comuns de crises epilépticas e o que fazer perante a sua ocorrência?
Existem diferentes tipos de crises epilépticas, que podem ser classificadas em dois grupos:
1) Crises parciais (focais) simples: limitadas à uma área do cérebro.
Características:
- Não há perda de consciência.
- Não é capaz de controlar os seus movimentos corporais.
- Uma parte do corpo pode adotar uma postura anormal ou ter movimentos repetitivos involuntários.
- Os sentidos podem ficar distorcidos, podendo ouvir, ver, cheirar e sentir sensações que não são perceptíveis às demais pessoas.
O que fazer:
- Confortar, dar apoio, uma vez que a pessoa pode estar confusa.
2) Crises parciais (focais) complexas
Características:
- Há perda de consciência.
- Levantar-se e andar, sem sentido.
- Fazer movimentos sem nexo ou sem objetivo.
- Não obedecer ou obedecer parcialmente a ordens.
- Responder incorretamente ou murmurar.
- Podem apresentar medo e desejar sair do lugar em que está presente.
- Costuma demorar um ou dois minutos, mas a confusão e os sentimentos podem perdurar por mais tempo.
- Costuma não se lembrar do ocorrido.
O que fazer:
- Tentar conversar calmamente e retornar à uma cadeira.
- Se houver resistência, assegure-se que o ambiente está seguro.
- Se está sentada, mantenha e observe até recobrar a consciência completamente.
- Ajude a reorientar, se seguir confusa.
- Não forçar e nem falar alto.
3) Crises generalizadas: envolvem a totalidade ou quase a totalidade do cérebro
3.1) Crises de Ausência
Características:
- Há perda momentânea da consciência.
- Muitas vezes acompanhada por movimentos na face ou pestanejar.
- Interrompe-se a atividade que está em curso. Por exemplo: em meio à uma escrita, interrompe-se e depois de passada a crise, continua a escrever.
- Não é possível fazer retomar a atividade durante a crise.
- Costumam durar alguns segundos.
- Retoma-se imediatamente a atividade após a crise.
- Podem ocorrer várias vezes dentro de um dia.
O que fazer:
- Confortar, dar apoio e orientar à retomar a atividade em curso.
3.2) Crise tônico-clônica generalizada
Características:
- Convulsões – corpo fica rígido ou em movimento repetitivo.
- Pode dar um grito, cair inconsciente e seguir com os movimentos.
- Pode perder o controle das fezes e urina.
- Dura cerca de 1 ou 2 minutos.
- Respiração fica superficial ou suspensa brevemente, se recuperando.
- Após a crise, pode ficar confusa, fatigada, irritada e sonolenta.
- Pode apresentar vômitos.
O que fazer:
- Proteger de qualquer acidente que possa ocorrer durante a crise.
- Deitar a pessoa no chão e afastar objetos próximos que possam a atingir.
- Posicionar em decúbito lateral, para evitar que em caso de vômitos, não haja aspiração do conteúdo.
- Proteger a base da cabeça para que não bata no chão no momento que sacudir (pode ser com a mão de quem está ajudando ou com uma roupa/pano).
– OBS.: Não tente abrir a boca, não tente segurar a língua, não coloque nada na boca, não tente conter os movimentos e não ofereça qualquer substância (comida, bebida, medicamento) durante ou após a crise.
– Respiração fica superficial ou suspensa brevemente, se recuperando (em casos raros que a respiração não recupera, verificar se há algo obstruindo a via aérea).
- Quando a crise acabar, deixe descansar até recuperar completamente a consciência.
- No caso de criança em sala de aula, deve-se estimular a retomar as atividades, participando da aula, logo que possível. Se o período de recuperação for demasiado prolongado, é prudente comunicar os pais. Idealmente deve-se considerar o que foi acordado previamente com os pais.
3.3) Outras crises generalizadas (mioclônicas, atônicas, acinéticas)
Características:
- Produzem mudanças bruscas no tônus muscular.
- Cai repentinamente ou faz movimentos repetitivos de todo o corpo, bruscamente.
- São crises de mais difícil controle.
- Algumas precisam de uso de capacete.
O que fazer:
- Ajudar a pessoa a ser levantada.
- Checar se houve algum acidente ou machucado.
- Tranquilizar e sentar até a recuperação completa.
Quando deve-se chamar um médico imediatamente?
Na maioria das vezes, a crise epiléptica não é uma emergência médica, pois normalmente ela se resolve espontaneamente, não requerendo atenção médica imediata.
Deve-se acionar o serviço médico com urgência:
- Em caso de primeira crise epiléptica (sem histórico de crise).
- Se não recuperar a consciência depois de acabada a crise.
- Se iniciar outra crise na sequência da primeira, sem recuperar consciência entre as duas.
- Se a crise tiver uma duração prolongada (cerca de 5 minutos).
- Se a crise ocorrer durante atividade aquática (pode ter ingerido água).
Em caso de traumatizar o crânio durante a queda ou durante a crise, deve-se acionar o serviço médico com urgência se apresentar os seguintes sinais/sintomas:
- Dificuldade em despertar ou permanecer longo período desacordado.
- Perda de consciência com falta de resposta à estímulos.
- Vômitos.
- Pupilas com tamanho diferentes.
- Queixa de dificuldade visual.
- Dor de cabeça após o repouso.
Saiba mais:
- CDC – Centers for Diseases Control and Prevention. Disponível em: cdc.gov/epilepsy.
- Epilepsia – Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas (Portaria SAS/MS n°1319, de 25 de novembro de 2013).
- Epilepsy Society. Disponível em: epilepsysociety.org.uk
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- Manreza, MLG. Epilepsia – Infância e adolescência. Editora Lemos, São Paulo, 2003.
- Maxine DA, Marcel AK, Kristl V. 30 years of vagus nerve stimulation trials in epilepsy: Do we need neuromodulation-specific trial designs? Epilepsy Research, (153), 71-75, 2019. https://doi.org/10.1016/j.eplepsyres.2019.02.004.
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- Tong YH, Hai-Qiang W, Wen PZ, Ruo FT, Ge SL, Yan CD, Jun LX. Network meta-analysis of antiepileptic drugs in focal drug-resistant epilepsy. Epilepsy Research, (167), 2020. https://doi.org/10.1016/j.eplepsyres.2020.106433.
Aviso: As informações expressas são apenas de caráter informativo. São baseadas em estudos científicos e experiência clínica. Os resultados não são necessariamente presentes em todos os indivíduos. Autotratamento não é recomendado. Para a melhor escolha do tratamento, é fundamental a consulta com o especialista.