Também chamada de hemorragia subependimária, hemorragia da matriz germinativa, hemorragia intraperiventricular ou de hemorragia intraventricular, a hemorragia cerebral em recém-nascidos prematuros é o tipo mais comum de hemorragia intracraniana neonatal. O local mais comum de sangramento é a matriz germinativa, além do núcleo caudado. Nesta sessão será descrita uma apresentação sobre essa importante patologia.
Entendendo o cérebro do recém-nascido prematuro
O nosso cérebro possui um sistema que produz, armazena, faz circular e absorve o líquido cefalorraquidiano, chamado de sistema ventricular. Ao redor do sistema ventricular (revestimento ependimário) do cérebro do feto em formação, há um tecido denominado matriz germinativa, que é fundamental para o cérebro em desenvolvimento, uma vez que ela é fonte de futuros neurônios e células gliais e é altamente vascularizada. Normalmente, ela involui até as 36 semanas de gestação, fazendo com que o risco de sangramento reduza progressivamente. No entanto, a matriz pode permanecer após o nascimento, principalmente em bebês prematuros e como ela é bastante vascularizada e seus capilares sanguíneos são frágeis, aumenta o risco de sangramento intracraniano.
Consequências do sangramento cerebral do prematuro
A matriz germinativa é precursora de células gliais, importantes para o desenvolvimento cerebral. Com o sangramento, essas células são comprometidas, em maior ou menor grau, dependendo da severidade do sangramento. Nos tecidos ao redor pode haver formação de hematomas, aumentando a pressão dentro do cérebro, assim como hemorragia intraventricular, levando à hidrocefalia (aumento ventricular). Classificamos as características da hemorragia em 4 graus, cuja progressão significa pior comprometimento: I: hemorragia isolada à matriz, II: hemorragia intraventricular sem dilatação ventricular, III: hemorragia intraventricular com dilatação ventricular, IV: hemorragia intraparenquimatosa associada à intraventricular.
À esquerda há um corte do tecido cerebral com área de hemorragia na matriz germinativa (área enegrecida, seta preta). Verificamos o tamanho do ventrículo (afilado, em amarelo). À direita, vemos uma imagem de ressonância magnética de crânio após a agressão com a hemorragia: identificamos perda do tecido cerebral, levando há ventriculomegalia. Roland EH, Rill A. Germinal matrix-intraventricular hemorrhage in the premature newborn: management and outcome. Neurol Clin. 2003 Nov;21(4):833-51, vi-vii. DOI: 10.1016/s0733-8619(03)00067-7
Manifestações na criança
A maioria dos bebês são assintomáticos, não manifestando qualquer complicação. Verifica-se a presença do sangramento intracraniano, mas nenhuma alteração é identificada. No entanto, alguns recém-nascidos se manifestam com redução da atividade muscular (tônus), paralisia flácida, crises convulsivas, tensão na fontanela (popularmente chamada de moleira), irregularidades respiratórias e cardíacas. Geralmente, essas anormalidades são passageiras. No entanto, alguns desenvolvem hidrocefalia (aumento do volume ventricular), em função do sangramento, seguindo com redução do nível de consciência, podendo precisar de ventilação mecânica e ser submetido à drenagem do excesso de sangue e liquor ventricular, através da neurocirurgia.
Diagnóstico
O diagnóstico pode ser realizado já intra-útero, através de ultrassonografia, em que se infere a presença de hemorragia, podendo se estabelecer suas consequências, como aumento ventricular, dano ao parênquima cerebral e aumento do perímetro cefálico. Após o nascimento, os bebês são avaliados quanto ao tamanho craniano (circunferência occipitofrontal), fontanelas, suturas e quadro neurológico. Os recém-nascidos que apresentam alguma alteração neurológica, asfixia perinatal, história de exposição pela mãe à drogas, instabilidade clínica logo após o nascimento, dentre outras condições, são submetidos à exame de imagem, como ultrassonografia, tomografia ou ressonância de crânio, para se verificar a possibilidade de sangramento intracerebral. Através desse diagnóstico, dependendo da extensão da hemorragia e dos sintomas do bebê, opta-se pelo tratamento específico.
Tratamento
Nos pacientes que não apresentam sinais ou sintomas (a maioria), opta-se pelo acompanhamento regular. Nos casos que desenvolve crises convulsivas, são tratados e acompanhados. Já nos pacientes que se apresentam com aumento progressivo do sistema ventricular, aumento da circunferência occipitofrontal além do percentil aceitável para a faixa etária, evidências de hipertensão intracraniana, como fontanela tensa, suturas cranianas mais abertas, poderão ser submetidos à procedimentos neurocirúrgicos.
A drenagem ventricular externa (DVE) pode ser inicialmente utilizada como único procedimento, especialmente em crianças com baixo peso ou instáveis. Em outros casos, a drenagem pode estar associada à terceiroventriculostomia endoscópica (TVE), com o intuito de desfazer aderências nos ventrículos causadas pelo sangramento e facilitar o fluxo liquórico. Em muitos casos há a necessidade de derivação ventricular de maneira definitiva, conectando o ventrículo à outra cavidade do organismo (derivação ventriculo-subgaleal, ventriculo-peritoneal, ventriculo-atrial ou outra).
Saiba mais:
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Aviso: As informações expressas são apenas de caráter informativo. São baseadas em estudos científicos e experiência clínica. Os resultados não são necessariamente presentes em todos os indivíduos. Autotratamento não é recomendado. Para a melhor escolha do tratamento, é fundamental a consulta com o especialista.